quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Um Novo Tempo...


2010 já está no horizonte!
Que seja um ano de grandes realizações, coragem, alegria, amor...
Grande Abraço!

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Rota Cicloturística Márcia Prado


Em 19 de dezembro de 2009 aconteceu um evento teste da primeira rota de cicloturismo do Estado de São Paulo. Ela sai do Grajaú, sul de São Paulo, passa pela "Ilha" do Bororé com o auxílio de duas balsas, chega em São Bernardo do Campo, passa pelo Parque da Serra do Mar, através da Estrada de Manutenção da Imigrantes, saindo em Cubatão e finalmente em Santos, num percurso de aproximadamente 77 km. O Projeto de Lei 256/2009 que cria a Rota é de autoria do vereador Chico Macena, já aprovado na Câmara Municipal de São Paulo e aguardando aprovação no Executivo. Para a passagem pelo Parque da Serra do Mar foi criado o Projeto NIP (Núcleo Itutinga Pilões) Bikers.


Quando se começa a andar de bicicleta (para os que pararam depois da infância), um dos principais passeios no imaginário d@s bicicletir@s é, sem dúvida, chegar até a praia pedalando. Acredito que o Mar tenha um "q" de magnético para muitas pessoas. Quando eu era criança, ir até a praia era das minhas "viagens" favoritas. Talvez porque o mar esteja logo ali, talvez porque a praia seja dos ambientes mais democráticos que conheço (embora tentem limitá-lo para alguns privilegiados, ou pelo acesso, ou desclassificando "outros" como "farofeiros").

Por lei, a descida da Serra de bicicleta não tem nada de ilegal, uma vez que a bicicleta é considerada um meio de transporte, podendo circular pelo acostamento ou pelas bordas da pista, tendo ainda prioridade sobre os demais meios de transporte, que devem garantir uma distância segura de 1 metro e meio nas ultrapassagens. A bicicleta também é dos meios de transporte mais democráticos que conheço, talvez por isso, e não à tôa, também tentem desqualificá-la como coisa de pobre e, conseqüentemente, inviável.

Alguns antecedentes Foto: Ciclobr

No dia 9 de dezembro de 2008, centenas de ciclistas sairam de suas casas para pegar uma prainha, como fazem outras tantas milhares de pessoas rotineiramente. Foram barrados, limitados e impossibilitados de usufruir do direito básico de ir e vir. Do direito de ir e vir com suas bicicletas. E do direito de ir e vir com suas bicicletas por estradas construidas também com o dinheiro de seus impostos.

Embora ilegalmente proibidos de ir à praia com suas bicicletas, centenas de ciclistas o fazem, já a muito tempo, se utilizando da máxima "as leis não bastam, os lírios não nascem das leis", de autoria do bicicleteiro Carlos Drummond de Andrade, montam em suas magrelas e rumam em direção ao mar, assim, sorrateiramente, na calada do dia. Já ouvi histórias de alguns que voltaram pedalando lá de baixo, que tiveram bicicletas apreendidas e pneus rasgados, e de outros tantos que, chegaram ao mar... E assim, a lenda chegou aos nossos dias.

O passeio é tão oficial que existe até um serviço de sinalização dentro do parque, feito pelos próprios ciclistas para que outros ciclistas não se percam. Em 11 de janeiro de 2009, um grupo de servidores públicos alternativos, entre eles e elas, Márcia Regina de Andrade Prado, sairam felizes da vida para além de chegar ao mar, sinalizar a estrada. Atividade realizada com sucesso.


Foto Ciclobr (Márcia é a garota de braços abertos e capacete vermelho)

Dia 14 de janeiro de 2009, 3 dias depois, Márcia foi atropelada na Av. Paulista, por um ônibus cujo motorista não cumpriu a lei vigente, e morreu no local.

A espectativa

Muitas foram as negociações encabeçadas, coordenadas e articuladas pelos integrantes do recentíssimo Instituto Ciclobr (http://www.ciclobr.com.br/) para articular um evento teste para a Rota. Acompanhei as discussões pela internet quando a data já estava marcada.

Agora vai! Mesmo assim, era complicado, saindo de Mauá, seria difícil ir até o Grajaú. Conversando com amigos que inclusive já desceram várias vezes, combinamos de sair de Mauá e encontrar um pessoal em Santo André. Iríamos direto até a entrada da Manutenção, e caso fosse, desceríamos pelo caminho já conhecido por eles (uma vez que não sabíamos se daria pra pegar a Rota oficial.

Mais de mês sem pedalar e os 100 km (novo recorde pra mim e pro Flávio) que estavam por vir me deixaram apreensiva. Também a responsabilidade pelo sucesso do evento (se desse algo errado, aí que não deixariam agente descer mesmo!), a correria de fim de ano... Não dava pra perder de jeito maneira! Seria Histórico (Tive que me utilizar várias vezes dessa frase pra animar o Flávio)!

Primeira parte – De Mauá até o início da Serra

A saída de Mauá foi o trecho mais complicado, saímos às 5h e ainda estava escuro. O trânsito, pra minha surpresa, estava bem complicado, a ansiedade atrapalhando a respiração e concentração. Encontramos o Edson e o Rubens no Habbibs, e logo em frente o Gustavo, que havia se comunicado conosco pela internet. Já chegando em Santo André, com o dia claro, o pneu traseiro do Flávio furou.

No posto já havia umas 20 pessoas esperando, somente rapazes, que puxa. Decidimos ir pela Imigrantes, porque a Anchieta tem muitas saídas, sendo assim, fomos até Diadema. Já quando entramos na Imigrantes um outro grupo de umas 6 pessoas se juntou a nós (+ uma menina!).

O trânsito estava absolutamente parado e confesso que foi uma delícia ver as bicicletas deslizando pelo acostamento, deixando pra trás todas aquelas máquinas superpotentes. Nossa alegria terminou em um posto policial. Uns 3 ou 4 ficaram nos interrogando: “Onde vão?” Quando falamos do evento, um se fez de desentendido, outro disse que a saída era do Grajaú e um outro chegou dizendo que nos escoltaria pois havia acontecido um acidente à frente, e poderia ser perigoso trafegar pelo acostamento
(???). Eu não gostei, quer dizer que sempre vou precisar de escolta? Enquanto estávamos parados, o grupo foi aumentando com outros ciclistas.

O policial na moto ficava acelerando todo mundo, gritando “2 em 2!”, empurrando os mais lentos (também ganhei “uma mãozinha”) e em dado momento se aproximou e disse algo que não entendi, só o final, “também sou ciclista”, e saiu sorrindo e acelerando. Aí comecei a pensar que ele só queria nos tirar lá do posto policial. Depois se aproximou de novo e consegui entender, era ciclista mesmo, disse pertencer a um grupo que já não lembro o nome e que no outro dia subiria a Serra pela Manutenção. Independente disso, esse trecho foi muito acelerado, sendo que resolvi parar pra comer uma barrinha, mesmo deixando o povo se afastar.

Em seguida uma outra parada que nem entendi direito porque estava no final da fila. Os policiais de moto haviam dito que o evento estava cancelado por causa do mau tempo e que dali pra frente era por nossa conta, e foram embora. Logo fomos parados por outro carro da Ecovias, com as mesmas super perguntas. Demorou mais um pouco e seguimos pedalando até outro posto policial, onde já haviam muitos outros ciclistas esperando a liberação para continuarem, o que estava proibido.

Nesse momento já tinha visto o André Pasqualini (do Instituto Ciclobr) e também uma placa da Rota, estávamos no caminho certo! Deu pra comer e ir ao banheiro (daqueles), e esperar a liberação.

Tudo pronto, podemos passar! O engraçado é que mesmo quando ficamos parados 1 hora, na hora de sair, agente sempre ta fazendo alguma coisa...

Segunda Parte – A tão esperada descida!!!

Iniciamos a descida pela Imigrantes mesmo, quem já fez o caminho diz que nunca chega até ali, tendo que sair por uma trilha no meio do mato. A descida foi alucinante e ainda com garoa, eu tenho o maior medão de levar um capote em alta velocidade, por isso vou agarrada aos freios e procuro não passar dos 50 km/h.

Logo à frente entramos na Manutenção, empurrando a bicicleta por uma descidinha brava, uma garoa fina, e um policial comentando ao meu lado que aquilo ia dar “merda, essa pista está um sabão, não sei quem foi o louco que autorizou isso”. E ali estava eu, mais uma vez frente à montanha russa.

O lugar estava lotado, antes precisávamos assinar uma ficha (daquelas que dizem que qualquer coisa que der errado, o problema é seu, pedem seu tipo sanguíneo e o telefone de contato para uma possível má notícia). Depois assinavam nossos braços com um canetão, e estavam liberando a galera de 10 em 10. Agora era nossa vez! Ainda não... O cabo do freio de um sortudo havia estourado logo ali... Resolvido o problema, pedimos que ele fosse na frente pra ver se tinha ficado bom.

Com todas aquelas precauções, saímos bem de mansinho. Vários em nosso grupo já haviam feito o percurso. Andamos meia dúzia de pedaladas e num trecho plano um colega se esburracha em nossa frente. O doravante conhecido Maurinho Três Tombos percebeu que aquele pneu slik 1.0 não era o mais adequado, mas foram só uns arranhões, nada grave.

O lugar é absolutamente maravilhoso. Com pista asfaltada, cercado de muito verde e com um visual deslumbrante da baixada. E tudo isso, quase sem carros (só no final cruzamos com alguns). O único barulhinho irritante era dos mesmos carros na Imigrantes, nada que sufocasse o canto dos pássaros e das águas escorrendo pela montanha. Aliás, a engenhoca (Imigrantes) também é de parar as bikes. Se conseguiram construir aquilo tudo, provavelmente conseguirão resolver o problema dos 6 km que dificultam o acesso dos ciclistas à Manutenção.

Pra completar, passamos por uma lindíssima cachoeira. É lindo de ver toda aquela força espetacular da Natureza.


A descida da Serra também possui algumas subidas. Estas são o melhor lugar pra se lanchar e bater um papinho. O problema das subidas é que elas demoram muito mais que as descidas, mas essas também são abundantes. E assim fomos, vagarosamente, saindo do parque.

Terceira Parte – O loooooooongo caminho até o mar

Saímos do parque por uma estradinha de terra toda esburacada. Nesta hora já eram muitos ciclistas e tentava ficar atenta ao nosso grupo. Já tínhamos pedalado quase 80 km e as pernas (e no meu caso as costas) já estavam dando sinal de vida.

Passamos por uma simpática vilinha da periferia, tinha até um bonito riacho e algumas crianças já esperando por nossa passagem, umas indicavam o caminho, outras aproveitavam pra fazer uma piada. Já tinha uma galera parando pelos botecos da vila e antes de seguirmos, comemos os últimos lanches.

O caminho ainda era relativamente longo e fomos seguindo as placas que nos orientaram muito bem, embora em alguns momentos tivéssemos que parar pra prestar atenção.

Nessa hora o grupo se separou, quem tinha mais perna deu uma esticada (alguns até demais), e fomos nos misturando a outros grupos de ciclistas que também demonstravam bastante cansaço. O legal de pedalar tanto tempo é que todo o grupo vai se nivelando. Por ser mulher, eu sofro um pouquinho no começo das pedaladas quando os rapazes estão mais eufóricos e não querem ficar pra trás. Alguns rapazes dizem que não gostam de ser ultrapassados por mulheres (no futebol acontece a mesma coisa, levar um olé de uma mulher parece uma humilhação, daí deduz-se que ser mulher deva ser uma humilhação, sendo que alguns até se “xingam” de “mulherzinha”).

Deixando as questões de gênero de lado, melhor pensar no cicloturismo. Uma viagem de bicicleta não é uma competição. Passado os primeiros momentos de euforia, acredito que vale mais a paciência, a força de vontade, o auto conhecimento, do que, tão somente, melhores condições físicas. Não que estas sejam dispensáveis, ao contrário, é ótimo pra gente aproveitar ainda mais os passeios, mas de fato, mulheres, gordinh@s e idos@s, com algum preparo e equipamento adequado, estão aptos para a prática do cicloturismo.

Como já estávamos sem lanches e com a fome apertando, mesmo já chegando, uma padaria apareceu em nossa frente feito um oásis. Eu já estava naquele estado crítico de embaçamento das vistas e pernas bambas. Nos deliciamos com os vários quitutes, sendo que não pude esperar pelo preparo de um lanche, também nem deu pra esperar e já fui degustando o maravilhoso pão recheado mesmo antes de pagar. A impressão que dá é que temos uma daquelas barrinhas dos jogos de vídeo game que vão diminuindo de energia, verde, amarelo, até chegar no vermelho. Feitos os devidos reabastecimentos, a barrinha volta pro verde.

Chegamos ao mar. Muitos ainda estavam pelos quiosques, alguns já haviam ido embora, outros ainda iriam chegar. A água estava uma delícia. A noite continuou também uma delícia. Eu e Flávio fomos embora somente no outro dia, pudemos conversar bastante com outros bicicleteir@s e o espírito era de grande realização. A beleza da descida. A beleza de um grupo enorme de pessoas mostrando que é possível uma outra vida para essa nossa grande megalópole. Passaram pela inscrição aproximadamente 900 pessoas, algumas outras não passaram, mas desceram.

Eu não conheci a Márcia como também só conheço de vista muitos dos que estão à frente do cicloativismo. Mas conheço muitas vítimas do “trânsito”. Esses dias pensando com minha mãe fizemos um levantamento de quantos já morreram, se feriram gravemente, ou se envolveram nestes ditos “acidentes”. Somente entre familiares e amigos os números são muito maiores do que os mortos por alguma doença. Como tantos outros, Márcia também poderia apenas ser lembrada pela canção e pelos noticiários que pouco se importam com a vida humana: “morreu na contramão atrapalhando o tráfego”. Mas a “construção” foi outra, e é com uma enorme paixão pela vida que as pedaladas continuam, imortalizadas pela Rota de Cicloturísmo Márcia Regina de Andrade Prado.