sábado, 13 de abril de 2013

Paratii entre dois pólos



Indicação de leitura, indisponível para empréstimo. Veja os livros disponíveis AQUI.   

     Contracapa: Amyr Klink é sempre surpreendente. Depois de cruzar o Atlântico em um minúsculo barco a remo - travessia relatada em Cem dias entre o céu e o mar -, lançou-se em outro projeto assombroso: passar um ano inteiro na Antártica, dos quais seis meses imobilizado no gelo, em companhia apenas de pinguins e leões-marinhos. Para realizar esse sonho, no final de 1989 partiu no veleiro Paratii para uma viagem que iria durar 22 meses. Navegando solitário por mais de 50 mil quilômetros, alcançou não apenas o continente gelado do Sul, mas também as geleiras do pólo Norte. E trouxe na bagagem dois punhados de pedrinhas, um da Antártica e outro do Ártico: símbolos da misteriosa matéria de que são feitos os mais belos e ousados sonhos.

     Orelhas: Bem-vindo a bordo. Você vai começar a fazer uma viagem inesquecível. Aliás, duas viagens. Uma, calma, saborosa, sem sobressaltos ou tédio. A outra, plena de aventuras, repleta de emoções, rumo ao desconhecido. 
     Ambas têm como comandante uma figura rara. Alguém capaz de navegar com rara competência pelo mundo das letras e pelos oceanos do mundo. Amyr Klink é mesmo um brasileiro notável. Como poucos sabe viver experiências incomuns, o que por si só justifica uma existência. Além disso, é também extremamente talentoso para contar sua epopéia.
     A primeira viagem você faz ao saborear este Paratii: entre dois pólos. A segunda será feita dentro do barco, sem enjoar.
     Quinhentos anos depois que os europeus e suas caravelas chegaram à América, um brasileiro relata a expedição que o levou à gelada Antártica, tendo como companhia apenas os albatrozes e os pinguins. E dormindo só 45 minutos por vez, o tempo exato de cada período de um jogo de futebol.
     O navegante solitário, livre por natureza, percorreu milhas e milhas para... ficar preso. Preso pelo gelo e por opção. Solto para sonhar diante da imensidão, entre o céu e o mar, o sol e as estrelas. Treze meses absolutamente ímpares nos quais nunca um dia foi igual ao outro, no continente branco que é multicolorido, tão árido e tão vivo simultaneamente.
     Amyr Klink se encontra no mar. O nosso encontro é no livro. Amyr no mar é comosereio, meio homem, meio peixe. No livro é um sábio, poeta das melhores histórias do século XX, quando o homem domou o espaço sem perder o fascínio que as ondas não param de despertar. 
     Icebergs, tempestades, leões-marinhos, dias longos, noites curtas, reflexões sem fim. Visitas humanas aqui e ali, mais ali do que aqui.
     Cristóvão Colombo há de desculpar. Mas é inegável a vantagem de Amyr Klink. Mais que um continente, Amyr descobre a vida e não causa polêmicas. Ele é uma unanimidade como navegador e escritor.
Juca Kfouri

     Amyr Klink nasceu na cidade de São Paulo, a 25 de setembro de 1955. Ali fez seus estudos e formou-se em economia. Navega desde criança e participou de inúmeras regatas e travessias. Também é autor de Cem dias entre céu e mar, publicado pela José Olympio Editora em 1985.

domingo, 7 de outubro de 2012

Aproximação Absurda e Irresponsável!

Hoje pela primeira vez, um carro tocou o seu retrovisor no meu guidão...
Em dia de eleição, resolvemos ir a Ribeirão Pires pedalando, assim, Flávio exerceria seu "direito" e nós aproveitaríamos pra pedalar um pouco, nos preparando para uma próxima viagem. Há algum tempo temos optado por ir pra Ribeirão aqui de Mauá, utilizando a Avenida Princesa Isabel, por considerá-la mais segura que a movimentada Avenida Capitão João... Tudo estava indo bem, até o retorno, quando em um local de comércio, vários carros nos ultrapassavam com distância e velocidade segura, mas uma motorista, "tocou seu retrovisor no meu guidão"... 

Dá pra acreditar! Prefiro pensar que foi displicência e não intenção de me matar... Mas ela só PODIA TER ME MATADO com sua 1 tonelada de aço que possui um acelerador, mais conhecida por CARRO.

Engoli o xingamento em respeito às "putas" e resolvi anotar a placa do carro, só não consegui ver a cidade do mesmo... mais à frente, numa rua próxima, lá estava o carro estacionado (em cima da calçada, mero detalhe).


Percebam a distância da lataria do carro à pontinha do retrovisor... e a pressa da pessoa??? Chegou tão rápido a seu destino que poderia perder alguns segundos desacelerando sua máquina e não me colocando em risco... De dentro da casa eu podia ouvir o alvorosso do almoço... eu poderia não ter tido o meu.


Bem no cantinho, dá pra ver um ralado que se destaca... Se eu estivesse com minhas mãos no "Bar End" (aqueles "chifrinhos" que ficam no guidão), provavelmente a marca seria outra. "Minha sorte" foi que o "pequeno toque" no guidão (que o faz virar para a direita enquanto caímos para a esquerda), não chegou a me  derrubar...

Em especial para meus amigos e familiares, peço que atentem para os vídeos abaixo, sobre o 1,5 metros de distância que um automóvel deve manter ao ultrapassar um ciclista. Não é uma questão de lei, mas de bom senso e respeito à vida...

       

       

Agora à noite, fiz um B.O. eletrônico por meio do site: http://www.ssp.sp.gov.br/bo/Default.aspx. Para conseguir concluir o B.O. tive de colocar os dados do meu carro, uma vez que, pelos vistos, acidentes com bicicletas não são considerados acidentes de trânsito.

De todo o modo, para os mais "incrédulos", seguem algumas das infrações cometidas pela motorista segundo o Código de Trânsito Brasileiro:

Fonte das informações abaixo: Blog Vá de Bike

Pedestres têm prioridade sobre ciclistas; ciclistas têm prioridade sobre motos e carros:

Art. 29. O trânsito de veículos nas vias terrestres abertas à circulação obedecerá às seguintes normas:
(…)
§ 2º Respeitadas as normas de circulação e conduta estabelecidas neste artigo, em ordem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres.

Os carros não devem nos fechar:
Art. 38. Antes de entrar à direita ou à esquerda, em outra via ou em lotes lindeiros, o condutor deverá:
(…)
Parágrafo único. Durante a manobra de mudança de direção, o condutor deverá ceder passagem aos pedestres e ciclistas, aos veículos que transitem em sentido contrário pela pista da via da qual vai sair, respeitadas as normas de preferência de passagem.

Ameaçar o ciclista com o carro é infração gravíssima, passível de suspensão do direito de dirigir e apreensão do veículo e da habilitação:
Art. 170. Dirigir ameaçando os pedestres que estejam atravessando a via pública, ou os demais veículos:
Infração – gravíssima;
Penalidade – multa e suspensão do direito de dirigir;
Medida administrativa – retenção do veículo e recolhimento do documento de habilitação.

Colar na traseira do ciclista ou apertá-lo contra a calçada é infração grave:
Art. 192. Deixar de guardar distância de segurança lateral e frontal entre o seu veículo e os demais, bem como em relação ao bordo da pista, considerando-se, no momento, a velocidade, as condições climáticas do local da circulação e do veículo:
Infração – grave;
Penalidade – multa.

Tirar fina é infração média:
Art. 201. Deixar de guardar a distância lateral de um metro e cinqüenta centímetros ao passar ou ultrapassar bicicleta:
Infração – média;
Penalidade – multa.

Se a fina for em alta velocidade, são duas multas (a média aí de cima mais essa grave aqui):
Art. 220. Deixar de reduzir a velocidade do veículo de forma compatível com a segurança do trânsito:
(…)
XIII – ao ultrapassar ciclista:
Infração – grave;
Penalidade – multa;

A fina é considerada também uma ultrapassagem inadequada. Veja como o Código determina que deva ser feita uma ultrapassagem:
Art. 29. O trânsito de veículos nas vias terrestres abertas à circulação obedecerá às seguintes normas:
(…)
XI – todo condutor ao efetuar a ultrapassagem deverá:
a) indicar com antecedência a manobra pretendida, acionando a luz indicadora de direção do veículo ou por meio de gesto convencional de braço;
b) afastar-se do usuário ou usuários aos quais ultrapassa, de tal forma que deixe livre uma distância lateral de segurança;
c) retomar, após a efetivação da manobra, a faixa de trânsito de origem, acionando a luz indicadora de direção do veículo ou fazendo gesto convencional de braço, adotando os cuidados necessários para não pôr em perigo ou obstruir o trânsito dos veículos que ultrapassou.

Devemos andar na rua, no sentido dos carros e nas faixas laterais da via (inclusive na esquerda em caso de vias de mão única, embora geralmente isso seja bastante perigoso, sobretudo em avenidas de fluxo rápido). E temos preferência de uso da via!
Art. 58. Nas vias urbanas e nas rurais de pista dupla, a circulação de bicicletas deverá ocorrer, quando não houver ciclovia, ciclofaixa, ou acostamento, ou quando não for possível a utilização destes, nos bordos da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via, com preferência sobre os veículos automotores.
Parágrafo único. A autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via poderá autorizar a circulação de bicicletas no sentido contrário ao fluxo dos veículos automotores, desde que dotado o trecho com ciclofaixa.
Ao contrário da crença popular, NÃO EXISTE VELOCIDADE MÍNIMA NA FAIXA DA DIREITA!Entenda aqui
Art. 219. Transitar com o veículo em velocidade inferior à metade da velocidade máxima estabelecida para a via, retardando ou obstruindo o trânsito, a menos que as condições de tráfego e meteorológicas não o permitam, salvo se estiver na faixa da direita:
Infração – média;
Penalidade – multa.

Bicicleta também é veículo:
BICICLETA – veículo de propulsão humana, dotado de duas rodas, não sendo, para efeito deste Código, similar à motocicleta, motoneta e ciclomotor.


terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Cidade Segregada...

Hoje fui assaltada pela primeira vez... É estranho, mas agente sempre sai com essa perspectiva na cabeça. Quando decidi ir caminhando da Sé até o Brás pensei: é fim de mês, tenho 12 pilas na carteira e poucos vinténs no banco... Já fiz esse caminho algumas vezes de bicicleta (emprestada na Sé) e sabia que ia passar por toda sorte de gente desvalida pelo caminho. Após a Catedral, pude vislumbrar um bonito pôr do sol destacando seus contornos. Já em frente, observei o viaduto pra ver se havia movimentação, e em seguida um par de maritacas me sobrevoou na algazarra costumeira das maritacas. Sem dúvida, muito melhor que a lotação da linha vermelha em horário de pico.

Ingressei no viaduto. A calçada é segregada por uma grande mureta. Passaram dois homens e uma mulher pra cá, atrás de mim não havia ninguém, no topo do morro avistei movimentação estranha, percebi os rapazes abaixados, mas titubeei em voltar pra trás, poderia não ser nada. Mas era.

Conforme fui me aproximando, vi que se levantaram e vieram em minha direção, já fiz sinal pra que ficassem calmos... acho que foi isso. Parece que reconheci um dos garotos, ou dois, ou mesmo os três. De certa forma penso que os conheço. Desde que passei pelo PETI em Mauá, o Andrezinho Cidadão em Santo André, e em especial agora pelo Ministério Público, enquanto "participo" da fiscalização das medidas em meio aberto e da Fundação CASA.

Eles também ficaram calmos, disseram que não queriam machucar ninguém (o reconhecível com um estilete na mão). Pediram dinheiro e o celular, que idiotamente respondi não possuir. Vagarosamente, abri a mochila e retirei a carteira, somente R$ 12,00 a habitavam. Argumentei: "é fim de mês". O celular se manteve calado. Insistiram. Retruquei. E o reconhecível decidiu encerrar o assunto. Agradeci... Agradeci em voz alta os rapazes que me assaltaram.

Segui meio atordoada e quis pular o muro pra ir pra pista. Um ciclista vinha vindo e o alertei sobre os rapazes, mas era como se precisasse dizer pra alguém que eu fora assaltada, e já da rua continuei avisando os transeuntes que seguiam pela segregada calçada. Era necessário falar, alertar as pessoas. Um rapaz deu meia volta e seguiu pela pista, junto aos carros que seguiam em alta velocidade. Saí do viaduto já com vontade de chorar. Tive medo da besteira que fiz em não entregar-lhes o celular.

Mas que merda não?

Há tempos venho querendo escrever sobre o que é o centro de São Paulo. Se existe purgatório, inferno e estas coisas, muitos já o vivem por ali. Ao mesmo tempo, uma cegueira paira sobre todas as pessoas apressadas que cotidianamente transitam no local. Também pudera, cheira a merda. Isso sem falar das barbas institucionais de Ministérios Públicos, Palácios da Justiça, Faculdades de direito, que ainda pensam se manter imaculadas, do alto de sua soberania, aos “judeus” que habitam suas portas.

Mas amanhã novamente vou dar aquela corridinha pelo calçadão pra não perder a hora, e contribuir para o nosso belo quadro social. Se a única moeda de troca que se tem é a violência, é ela que a teremos em nosso dia a dia. Não haverão prisões suficientes pra tantos pés de chinelo, e nem tantos tapetes vermelhos pra abaixo se empurrar tamanha sujeira...

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

A Revolução Russa



Para emprestar esse livro ou ver outros livros disponíveis, clique AQUI!


Contracapa: O Livro A Revolução Russa, escrito por Maurício Tragtenberg, mostra precisamente a centralidade daquele evento, por meio de inteligente pesquisa, farta erudição, seleta bibliografia e habilidade crítica, sendo ela própria e suas consequências uma temática de seu permanente interesse.


O leitor poderá seguir o exame da Rússia imperial e também da sociedade russa pré-revolucionária. Entretanto, a parte central da obra acha-se no que Tragtenberg chamou de processo da Revolução Russa (Makhno na Ucrânia, Lenin em Moscou, Kronstadt: a revolução na Revolução, a questão sindical, os sovietes, a ditadura do proletariado, a Assembléia Constituinte, a Revolução e o problema nacional e colonial, o partido).


Maurício Tragtenberg vai ao âmago do fracasso revolucionário causado pela desconfiança na capacidade de trabalho da classe operária, pela eliminação da democracia nos sovietes e no partido, pela finalidade de tomar o poder e não o destruir, pelo partido bolchevique que ocupa o lugar dos trabalhadores. Em vez deles, aparece o capitalismo de Estado, o centralismo democrático, um povo oprimindo outros povos, o socialismo de dirigentes e dirigidos, a militarização do trabalho, a comissiocracia, a calúnia como arma política, os intrigantes bem relacionados, o carreirismo, o servilismo, os líderes transformados em personagens.


O socialismo da solidariedade, do entendimento mútuo e da igualdade radical não prevaleceu na Revolução Russa. Como diz Tragtenberg no livro: "Uma revolução pode transformar velhos porta-vozes em novos". É difícil descobrir uma análise da Revolução Russa tão objetiva, penetrante e real.



Evaldo Vieira



Orelha: O livro A Revolução Russa, de Maurício Tragtenberg, publicado pela primeira vez em 1988, poucos meses antes do desmoronamento da URSS, tem um sentido premonitório: dotado de alta força crítica, percorre os caminhos e descaminhos daquela sociedade, da gênese do czarismo, anterior à Revolução de 1917, passando pelos longos, difíceis e tortuosos períodos que configuraram a processualidade russa, até chegar às vésperas de seu definhamento. Escrito em linguagem límpida, mas sem perder a complexidade dos problemas, dada a enorme erudição da qual Maurício Tragtenberg era uma das nossas mais vivas expressões.


Vasculhando os mecanismos que desfiguraram a sociedade soviética, como a ditadura do partido (inicialmente em nome do proletariado e, posteriormente contra ele), através do desmedido controle burocrático, do monopólio do poder político exercido pelo binômio Estado-partido, Tragtenberg mostra como tudo isso acabou por sujeitar os trabalhadores às funções de execução, desprovidos de autonomia, autocomando e criação.


Não poderia ser outro o resultado estampado neste ensaio: crítico arguto das aberrações cometidas em nome do socialismo, das formas de dominação exercidas contra os trabalhadores, crítico áspero da burocratização, o autor demonstra como estas deformações acabaram por destruir a Revolução Russa, por ele entendida como "o acontecimento mais importante do século XX", significado similar que a Revolução Francesa teve para o século das Luzes.


Hoje, virada a página do breve século XX, somos desafiados a aprofundar o balanço das causas da derrota da Revolução Russa. Fracassada cabalmente a experiência inicial do "socialismo num só país", a experiência soviética (e do chamado "bloco socialista") foi, pouco a pouco, se convertendo numa espécie de sociedade estatal hipertrofiada, regida por uma lógica que impossibilitou o florescimento da associação livre dos indivíduos, de que falava Marx. E, desse modo, obstou a construção societal autônoma dos sujeitos do trabalho, processo que acabou por levá-la à derrota terminal em 1989.


Livro claro, contundente, simples na sua plasticidade, denso na sua analítica, é parte da obra emancipadora e libertária de Tragtenberg, que soube admirar o que de melhor a Revolução Russa nos legou, nos seus momentos mais férteis, sem se despregar jamais da análise densa de muitas de suas mazelas.


Ricardo Antunes

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Gaiola Atmosférica de Dezembro!

Em dezembro, a Cooperativa Cultura de Bicicleta estará integrando mais uma vez a Feira de Economias e de Culturas Solidárias e Criativas em Ribeirão Pires, compareçam e participem!



segunda-feira, 21 de novembro de 2011

29...



... e essa música me parecia tão distante...

Feliz pelo já vivido, e por aquilo que está por vir.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Ensaio sobre a Lucidez




Indicação de leitura, indisponível para empréstimo. Veja os livros disponíveis AQUI.

Contracapa:
"... falemos abertamente sobre o que foi a nossa vida, se era vida aquilo, durante o tempo em que estivemos cegos, que os jornais recordem, que os escritores escrevam, que a televisão mostre as imagens da cidade tomadas depois de termos recuperado a visão, convençam-se as pessoas a falar dos males de toda a espécie que tiveram de suportar, falem dos mortos, dos desaparecidos, das ruínas, dos incêndios, do lixo, da podridão, e depois, quando tivermos arrancado os farrapos de falsa normalidade com que temos andado a querer tapar a chaga, diremos que a cegueira desses dias regressou sob uma nova forma, chamaremos a atenção da gente para o paralelo entre a brancura da cegueira de há quatro anos e o voto branco de agora..."



Orelhas: Numa manhã de votação que parecia como todas as outras, na capital de um país imaginário, os funcionários de uma das seções eleitorais se deparam com uma situação insólita, que mais tarde, durante as apurações, se confirmaria de maneira espantosa. Aquele não seria um pleito como todos os outros, com a tradicional divisão dos votos entre os partidos "da direita", "do centro" e "da esquerda"; o que se verifica é uma opção radical pelo voto em branco. Usando o símbolo máximo da democracia - o voto -, os eleitores parecem questionar profundamente o sistema de sucessão governamental em seu país.


É desse "corte de energia cívica" que fala Ensaio sobre a lucidez. Não apenas no título José Saramago se remete ao seu célebre Ensaio sobre a cegueira: também na trama ele retoma personagens e situações, insistindo em algumas das questões éticas e políticas abordadas no romance de 1995. Ao narrar as providências de governo, polícia e imprensa para entender as razões da "epidemia branca" - ações estas que levam rapidamente a um devaneio autoritário -, o autor faz uma alegoria dos rituais da democracia e da fragilidade do sistema político e das instituições que nos governam. A lucidez, aqui, é aquilo que se opõe à loucura, ao desvario, à demência; não se trata, portanto, de mera metáfora ou ironia.


O que se propõe não é a substituição da democracia por um sistema alternativo, mas o seu permanente questionamento. É pela via da ficção que José Saramago entrevê uma saída para esse impasse - pois é a potência simbólica da literatura, território em que reflexão, humor, arte e política se entrosam, que por fim se revela capaz de vencer a mediocridade, a ignorância e o medo.


Nascido na província portuguesa do Ribatejo, em 1922, José Saramago é romancista, poeta e dramaturgo. Com a publicação do romance Levantado do chão, em 1980, ganhou renome internacional. A Companhia das Letras já publicou vinte livros de sua autoria, entre romances, diários, conto e literatura infantil. Em 1998, Saramago recebeu o Prêmio Nobel de Literatura.